quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Aspectos técnicos sobre pasteurização

Olá pessoal, 

Já faz algum tempo, não é verdade?! 
O texto de hoje é sobre pasteurização. Ele segue a linha do ultimo texto e apresenta alguns aspectos técnicos relacionados a pasteurização, como cuidados, cálculo etc.

Boa leitura!

O processo de pasteurização é um processo custoso, uma vez que o consumo de energia envolvido é elevado. A elevada demanda energética se deve ao fato de que a transferência de calor de maneira homogênea nas garrafas ocorre de maneira longe do ideal. Ao expor o vasilhame a um esguicho - ou a um banho de agua, não sendo o caso do túnel - com temperatura superior a temperatura do líquido no interior do recipiente, a troca de calor acontece através das paredes de vidro, e o calor primeiro aquece a superfície mais externa do interior da garrafa em contato com o líquido – ou seja, a parte do líquido em contato direto com o vidro-  enquanto que o interior da garrafa permanece com frio. Com isso passam a ocorrer correntes de convecção no interior do recipiente e este processo se repete também nas etapas de resfriamento.

No entanto, vale ressaltar que há um ponto em que próximo ao fundo do recipiente, de 10-20mm acima do fundo e no eixo central, há um ponto em que a velocidade do fluido, mesmo na presença das correntes de convecção, é quase nula. Isto significa que neste ponto, a temperatura é mais baixa, e neste ponto a temperatura demora mais de ser atingida pois a transferência de temperatura acontece somente por irradiação e condução. Por conta disso, neste ponto é que deve ser medida a temperatura interna do líquido.
A taxa de fluxo de calor no caso do aquecimento deve ficar em torno de 3°C/min, enquanto que no caso do resfriamento, deve ficar em torno de 2°C/min, de modo a evitar rompimento das garrafas.

Durante a pasteurização, ocorre um aumento de pressão na garrafa em decorrência da expansão do líquido contido em seu interior. A expansão do líquido, faz com que haja menos espaço disponível para os gases que compõem o headspace. Essa camada de gás é pressionada, e assim, por ser um fluido compressível, há o aumento de pressão. Como consequência desse fenômeno, deve-se atentar para o fato de que o headspace não comprometa mais do 5% do volume da garrafa, caso contrário, a pressão poderá ser suficiente para quebrar a garrafa. Vale lembrar que há diferentes padrões de garrafas, com diferentes resistências a pressão, e isso deve também ser levado em consideração. Há garrafas, de padrão europeu, por exemplo, que suportam até 12bar, no entanto a pressão máxima suportada pela tampinha varia de 7 a 8 bar. Além disso, nesta etapa do processo, perdas oriundas de potenciais explosões de latas ou garrafas são razoavelmente significativas pois a perda envolve o produto pronto, ou seja, nesse ponto, o produto já carrega consigo o investimento de todas as etapas anteriores. 

Devido ao aumento de pressão, deve também ser levado em conta, que o aumento da pressão, provoca alteração na pressão de saturação do gás carbônico, e como consequência disso tem-se um novo equilíbrio no headspace. Em termos práticos, isso quer dizer que o teor de gás carbônico na cerveja é reduzido.
Vale lembrar que 1UP, corresponde a 1minuto a 60°C. E que UP não podem ser removidas do produto, apenas adicionadas. Em termos práticos, isso quer dizer que características de processo, como as condições de transporte, por exemplo, podem resultar em aumento das UPs, gerando alterações perceptíveis no produto.

Do ponto de vista microbiológico, cabe destacar que o processo de pasteurização inativa os microorganismos, mas não os elimina. Ou seja, a pasteurização não torna o produto estéril. Em termos práticos, isso quer dizer que os microorganismos ali presentes perdem sua capacidade reprodutiva, e alguns deles podem até morrer, mas há alguns microorganismos mais resistêntes, que continuam a sobreviver sob a forma de esporos. Estes esporos, somente ao encontrarem condições ambientais ideais, podem se voltar a se desenvolver. 

A Temperatura e o tempo de pasteurização dependem, basicamente do tipo de vasilhame (vidro, pet, ou lata), da qualidade do vasilhame (espessura da parede, e características de envase); tamanho, forma e volume; uma vez que a temperatura atingida no interior da embalagem é o que de fato importa, bem como por quanto tempo ela é mantida.

Unidades de Pasteurização podem ser calculadas segundo a seguinte fórmula geral:

UP=S x Tz x 1,389^(t-60)

Sendo que S, corresponde a quantidade de zonas de pasteurização, Tz, o tempo dentro da zona de pasteurização, e t a temperatura do líquido dentro da zona de pasteurização. Vale ressaltar que a temperatura do líquido varia de maneira logarítmica, ou seja, ela não se altera rapidamente de uma zona para a outra, em função da sua inércia térmica.

No caso das cervejas, a definição de quantas UP devem ser utilizadas depende de alguns fatores além dos citados acima, como teor de lúpulo, tipo de levedura, teor alcoolico, e extrato residual, já que todos estes fatores influenciam as condições ambientais para a reprodução de microorganismos.

Uma vez que diferentes microorganismos apresentam diferentes resistências, existem algumas quantidades mínimas de UP’s para o extermínio de microorganismos. Como por exemplo, 3UP – Célular vegetativas de levedura e bactérias gram-negativas (Pectinatus); 5UP’s – Lactobacillus Brevis, L coryniformis, L. casei; 8 UP’s – Pediococcus damnosus; 18UP’s – microorganismos danosos a cerveja habituaus, Megasphaera; 20UP’s - Lactobacilus lindneri; 25 UP’s Lactobacillus frigidus; 30 UP’s esporos de leveduras danosas e Micrococcus kristinae.

A pasteurização assegura a estabilidade microbiológica, no entanto, em contrapartida, as elevadas temperaturas apresentam efeito negativo sobre a estabilidade físico-química, principalmente através do desprendimento de gás carbônico, redução dos coloides proteína-polifenol e ainda pela oxidação dos mesmos, que pode resultar no surgimento de turvação característica.

Naturalmente, diferentes estilos de cerveja e sob diferentes formas de envase possuem diferentes especificações de UP. Alguns parâmetros internacionais para bebidas são: Cerveja Pilsen (Lager) em garrafa de vidro– 10-20 UP; Cerveja Pilsen (Lager) em lata de alumínio– 8 - 12 UP; Cerveja tipo Munique em garrafa de vidro – 20 – 30 UP; Cerveja tipo Munique em lata de alumínio – 20 – 26 UP; Cervejas sem álcool em garrafa de vidro – 60-70 UP; Refrigerantes 300-500 UP; Sucos 3000-5000 UP.

Através da pasteurização, o processo de envelhecimento da cerveja é acelerado - o frescor o aroma e o sabor se deterioram-; através da oxidação de polifenóis, através da oxidação de aminoácidos e açúcares residuais e outras reações cujos produtos intermediários conduzem a formação de produtos de reações de maillard, que, por sua vez, catalisam a oxidação de ácidos graxos, álcoois superiores etc. Além disso, há um ganho de cor, por parte da cerveja, que adquire um tom amarronzado. Estes fenômenos se observam em maior intensidade quanto maior for o teor de oxigênio dissolvido, e quanto maiores forem as temperaturas utilizadas. Estes fenômenos, logicamente, ocorrem também na cerveja não pasteurizada, no entanto, numa velocidade menor.

Resumidamente, quanto menos UP’s forem utilizadas mais preservadas se mantem as características da cerveja, enquanto que o contrário, aproxima a cerveja do limite de sobrevivência dos microorganismos.

Aguardo ansioso pela sua crítica, elogio, sugestão, dúvida ou qualquer outra maneira de colaboração via comentário, email etc.!
E obrigado pela atenção!
  
Fontes:
Livros
Título - Autor - Ano
Abriss  der Bierbrauerei - Ludwig Narziss - 2013
Beer : A Quality perspective - Charles W. Bamforth; Inge Russell;  Graham G. Stewart - 2008
Technology Brewing and Malting - Wolfgang Kunze – 1996

4 comentários:

  1. Fantástico material! Parabéns Julio.

    Existe alguma calculadora ou alguém método que auxilie calcular a UP acumulada durante a rampa de aquecimento?

    Para estilos de cerveja mais alcoolicas, ou mais lupuladas, sabemos que existe uma proteção maior que em uma Standard Lager, por exemplo. A quantidade de UP será puramente empírica?

    Abraços e continue postando!

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  2. Olá Luiz, muito obrigado! Fico muito feliz que o material tenha atendido suas expectativas!

    Bom, é possível que exista alguma ferramenta que possa te ajudar com isso, como uma dessas muitas tabelas que existem pelo mundo cervejeiro ai que no final das contas se resumem a aplicações de fórmulas.

    Imagino que calcular as UP acumuladas ao longo do processo, seja algo razoavelmente simples. Um paralelo sobre como seria, seria calcular a velocidade instantanea de um carro, em que você calcula a velocidade, baseado no espaço percorrido num intervalo de tempo muito pequeno. Coisa semelhante seria possível de se fazer, aplicando a formula de pasteurização, nesse caso; seguindo o paralelo, a distância, seria a temperatura, o intervalo de tempo, muito pequeno também, e a velocidade, seriam as UP's.

    Mas que a questão acerca disso seja o fato dela interferir significativamente ou não no produto final, já que, aparentemente, esse é um "excesso de teoria", digamos assim, que pode não gerar impacto significativo no produto final, tanto com relação aos objetivos esperados, quanto com relação a alterações sensoriais.

    Por outro lado, o que você sugere faz sentido e bem interessante, já que temperaturas mais altas tem maior impacto sobre as UP's.

    Se você pensar num tunel de pasteurização, por exemplo, as primeiras e ultimas zonas interferem pouco nas UP, por conta da temperatura baixa, mas as mais centrais, que tem temperatura mais elevada, desempenham papel muito mais significativo no processo.

    Com relação aos diferentes estilos de cerveja, creio que o empirismo seja, de fato, um fator. Os diferentes estilos apresentam um número muito grandes de variáveis que interferem nas condições ambientais para a proliferação de microorganismos, e por conta disso seria complicado criar uma fórmula que contemplasse todas essas variáveis. No entanto, para otimizar os resultados, creio que vale a pena buscar um laboratório de microbiologia para realizar os ensaios e assim obter resultados mais confiáveis.

    E pode deixar! Postarei sempre que tiver uma folga de tempo.
    Mas sigo aceitando sugestões!
    Abração!

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  3. Cara. Esse Material é fantástico. Tudo que eu procurava!! Divulgarei o Blog!! Obrigado por compartilhar informação!!!!

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  4. Bom dia, Júlio. Muito interessante seu artigo. Parabéns. Um dos mais completos que li sobre pasteurização de cerveja. Bem, eu tenho uma dúvida sobre pasteurizar sucos para usar na maturação. Já fiz uma ipa com maracujá e deu certo, foi meio na inspiração e não anotei como fiz o processo. Li algo sobre 80*c/15 min. O que vc acha? Um abraço. Denilson

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