terça-feira, 5 de julho de 2016

Diacetil (Parte1)

Olá pessoal,

Essa é a primeira parte do texto sobre diacetil. Nessa primeira parte, veremos um pouco sobre ele, seu processo de formação e reabsorção pela levedura.

Ao longo da fermentação, não apenas o álcool e o gás carbônico são produzidos. Sua produção vem acompanhada de uma grande gama de outros compostos voláteis. Dentre eles há um grupo de grande destaque conhecido como dicetonas vicinais, ou VDK (Do inglês, vicinal diketones). Quando se fala de dicetonas vicinais, a substância de maior destaque é o diacetil, ou mais especificamente a 2,3-Butanodiona.


Estrutura química do diacetil
O diacetil é uma substância produzida naturalmente em todas as cervejarias. Ele é, na verdade, secretado pela levedura no mosto em fermentação, como subproduto de uma de suas vias metabólicas requeridas para o crescimento celular. No entanto, sua contribuição para o perfil sensorial da cerveja é, na maioria dos casos, negativo. Sendo mais perceptível em cervejas claras de baixa fermentação, o diacetil gera um paladar e aroma de caramelo/amenteigado e, por isso, associado a sensação de dulçor. Estas características são mais perceptíveis e ao mesmo tempo indesejadas em cervejas claras de baixa fermentação, contudo sua presença é desejada no caso de pale ales mais encorpadas, scotch ales e stouts.

Uma vez visto como um sabor indesejável, vale destacar o fato da levedura ser capaz de reabsorvê-lo. No entanto, para tal, é necessário que a levedura esteja sadia, ou seja, caso a levedura lager já tenha floculado, ela não reabsorverá o diacetil. E mesmo a levedura sadia pode requerer uma parcela de tempo significativa para a realização deste processo.

A formação do diacetil está relacionada a síntese do aminoácido valina por parte da levedura. O diacetil é, na verdade, um subproduto da biossíntese da valina.  

O composto chave envolvendo a sua formação é o alfa-acetolactato. Sua formação está relacionada aos teores de FAN (do Inglês Free Amino Nitrogen, que em termos práticos é o teor de aminoácidos livres no mosto) e o espectro de aminoácidos. Se os teores de FAN forem muito baixos, maiores os teores de diacetil.  A formação do alfa-acetolactato depende da cepa de levedura - já que cada uma possui tempos de formação e volume produzido específicos-, dosagem da levedura – já que uma quantidade maior de células resultará em maior volume produzido, apesar de que a maior quantidade de leveduras conduzirá uma reabsorção mais rápida e mais completa -, e oxigênio – que faz com que a levedura produza mais alfa-acetolactato.  Este precursor do diacetil é identificado também como diacetil potencial, pois ele é convertido em diacetil na cerveja filtrada.


O excesso deste composto é excretado pela célula no mosto, e é convertido em diacetil, por meios reações químicas de oxidação num processo independente da levedura, que é favorecido por pH mais baixo, e temperaturas elevadas. O diacetil então é reincorporado pela célula da levedura, que o converte em acetoína e butano-2,3-diol, em reações envolvendo NADH, um carreador de elétrons envolvido nas reações de oxi-redução das vias metabólicas de geração de energia para a célula. Como consequência, o NADH volta a forma de NAD, que é importante para a manutenção do equilíbrio redox da célula e dessa maneira a célula poder transportar elétrons entre as substâncias envolvidas em seu metabolismo de geração de energia.  Isso quer dizer, em termos práticos, que ao final da fermentação o teor de diacetil é reduzido e convertido em substâncias que não possuem aroma e sabor tão intensos, de modo que sua presença na cerveja possa ser mais tolerada.


Rota metabólica de formação do diacetil e sua conversão em outros compostos menos nocivos à cerveja.
O diacetil formado pode ser removido somente pelas leveduras. Sua remoção é favorecida pelo fato de que a habilidade de reabsorção é por volta de 10 vezes maior que a formação ao longo da fermentação. Além disso, a habilidade de remoção do diacetil se mantem constante ao longo da fermentação primária, e decresce ao longo da fermentação secundária. Desse modo, é importante destacar sobre o manejo da fermentação, que a levedura não deve ser separada da cerveja verde, até que grandes quantidades de diacetil e seus precursores sejam reduzidas a concentrações aceitáveis.



Dessa maneira, o tempo que a cerveja deve permanecer no fermentador não depende somente do tempo necessário para a conversão dos açúcares fermentescíveis em álcool, mas também do tempo necessário para a redução do diacetil, até a faixa de 0,1 ppm, ou 0,1mg/L.
Os teores de diacetil podem apresentar teores elevados em caso de infecção por Pediococcus e Lactobacillus. Nesses casos, a cerveja apresenta teores elevados de diacetil, acompanhado de redução no crescimento da levedura e taxas de fermentação mais baixas.

Aguardo ansioso pela sua crítica, sugestão, elogio, dúvida, ou qualquer outra maneira de colaboração via comentário, email etc. !

e obrigado pela atenção!

Fontes:
Livros
Título - Autor - Ano
Tap Into the Art and Science of Brewing  - Charles Bamforth – 2003
Beer : A Quality perspective -
Charles W. Bamforth; Inge Russell;  Graham G. Stewart - 2008 Brewing - Ian S Hornsey – 1999
 How to Brew: Everything You Need To Know To Brew Beer Right The First Time -
John J. Palmer -  2006
Technology Brewing and Malting - Wolfgang Kunze – 1996
Handbook of Brewing: Processes, Technology, Markets -  Hans Michael Eßlinger – 2009
Brewing: Science and Practice - D. E. Briggs;  P. A. Brookes; R. Steven; C. A. Boulton - 2004

7 comentários:

  1. Parabéns Júlio. Virei aluno agora. Li os dois textos. Ótimos. A Química é linda, não é?! Continue.

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    1. Obrigado, Bichara. Fico feliz que tenha gostado! Obrigado também pelo incentivo!
      Se tiver alguma sugestão de tema, só mandar!
      E fique ligado, que semana que vem tem texto novo!

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  2. Eu gostaria de saber como eu faço para intencionalmente favorecer a produção de diacetil e chegar a um resultado horrivelmente carregado. Com inteso sabor de manteiga de pipoca...

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  3. Ola, muito bom texto. Parabéns! Então pelo que entendi o diacetil deve ser eliminado por uma questão de gosto, dependendo do que o cervejeiro deseja, mas não que faça algum mal a saúde, correto?

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  4. Prezado Julio,
    Parabéns pelo presente artigo.
    Se bem me lembro (estagiei na Skol, aqui do Rio, em 1970), o diacetil, em quantidades maiores e, portanto, indesejável para a cerveja, pode também ser produzido por uma bactéria que pode contaminar a cerveja, o Pediococo.
    No controle microbiológico, pesquisávamos a presença desse indesejável coco, partindo da cultura da cerveja em meio agar nutritivo e, a partir do crescimento,fazíamos a microscopia, após coloração por Gram, já que o pediococo é Gram-negativo.
    Acredito que agora existam meios seletivos específicos para tal bactéria, o que facilita o trabalho.
    Quanto ao odor do diacetil (ou diacetila), relmente é bem desagradável, lembrando manteiga rançosa e até mesmo "chulé".
    Um grande abraço,
    Nilton Maia (Farmacêutico)

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  5. Parabéns, gostei muito da sua aula.

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