Olá pessoal,
Essa é a primeira parte do texto sobre diacetil.
Nessa primeira parte, veremos um pouco sobre ele, seu processo de formação e
reabsorção pela levedura.
Ao longo da fermentação, não apenas
o álcool e o gás carbônico são produzidos. Sua produção vem acompanhada de uma
grande gama de outros compostos voláteis. Dentre eles há um grupo de grande
destaque conhecido como dicetonas vicinais, ou VDK (Do inglês, vicinal
diketones). Quando
se fala de dicetonas vicinais, a substância de maior destaque é o diacetil, ou
mais especificamente a 2,3-Butanodiona.
O diacetil é uma substância
produzida naturalmente em todas as cervejarias. Ele é, na verdade, secretado
pela levedura no mosto em fermentação, como subproduto de uma de suas vias
metabólicas requeridas para o crescimento celular. No entanto, sua contribuição
para o perfil sensorial da cerveja é, na maioria dos casos, negativo. Sendo
mais perceptível em cervejas claras de baixa fermentação, o diacetil gera um
paladar e aroma de caramelo/amenteigado e, por isso, associado a sensação de
dulçor. Estas características são mais perceptíveis e ao mesmo tempo
indesejadas em cervejas claras de baixa fermentação, contudo sua presença é
desejada no caso de pale ales mais encorpadas, scotch ales e stouts.
Estrutura química do diacetil |
Uma vez visto como um sabor
indesejável, vale destacar o fato da levedura ser capaz de reabsorvê-lo. No
entanto, para tal, é necessário que a levedura esteja sadia, ou seja, caso a
levedura lager já tenha floculado, ela não reabsorverá o diacetil. E mesmo a
levedura sadia pode requerer uma parcela de tempo significativa para a
realização deste processo.
A formação do diacetil está
relacionada a síntese do aminoácido valina por parte da levedura. O diacetil é,
na verdade, um subproduto da biossíntese da valina.
O composto chave envolvendo a sua formação é o alfa-acetolactato. Sua
formação está relacionada aos teores de FAN (do Inglês Free Amino Nitrogen, que em termos práticos é o teor de aminoácidos livres no mosto) e o espectro de aminoácidos. Se os teores de
FAN forem muito baixos, maiores os teores de diacetil. A
formação do alfa-acetolactato depende da cepa de levedura - já que cada uma
possui tempos de formação e volume produzido específicos-, dosagem da levedura
– já que uma quantidade maior de células resultará em maior volume produzido,
apesar de que a maior quantidade de leveduras conduzirá uma reabsorção mais
rápida e mais completa -, e oxigênio – que faz com que a levedura produza mais
alfa-acetolactato. Este precursor do diacetil
é identificado também como diacetil potencial, pois ele é convertido em diacetil
na cerveja filtrada.
O excesso deste composto é
excretado pela célula no mosto, e é convertido em diacetil, por meios reações
químicas de oxidação num processo independente da levedura, que é favorecido
por pH mais baixo, e temperaturas elevadas. O diacetil então é reincorporado pela célula da levedura, que o
converte em acetoína e butano-2,3-diol, em reações envolvendo NADH, um
carreador de elétrons envolvido nas reações de oxi-redução das vias metabólicas
de geração de energia para a célula. Como consequência, o NADH volta a forma de
NAD, que é importante para a manutenção do equilíbrio redox da célula e dessa
maneira a célula poder transportar elétrons entre as substâncias envolvidas em
seu metabolismo de geração de energia. Isso
quer dizer, em termos práticos, que ao final da fermentação o teor de diacetil
é reduzido e convertido em substâncias que não possuem aroma e sabor tão
intensos, de modo que sua presença na cerveja possa ser mais tolerada.
Rota metabólica de formação do diacetil e sua conversão em outros compostos menos nocivos à cerveja. |
Dessa maneira, o tempo que a
cerveja deve permanecer no fermentador não depende somente do tempo necessário
para a conversão dos açúcares fermentescíveis em álcool, mas também do tempo
necessário para a redução do diacetil, até a faixa de 0,1 ppm, ou 0,1mg/L.
Os teores de diacetil podem
apresentar teores elevados em caso de infecção por Pediococcus e Lactobacillus. Nesses casos, a cerveja apresenta teores elevados
de diacetil, acompanhado de redução no crescimento da levedura e taxas de
fermentação mais baixas.
Aguardo ansioso pela sua crítica, sugestão, elogio, dúvida, ou
qualquer outra maneira de colaboração via comentário, email etc. !
e obrigado pela atenção!
Fontes:
Livros
Título - Autor - Ano
Tap Into
the Art and Science of Brewing - Charles
Bamforth – 2003
Beer : A Quality perspective - Charles W. Bamforth; Inge Russell; Graham G. Stewart - 2008 Brewing - Ian S Hornsey – 1999
Beer : A Quality perspective - Charles W. Bamforth; Inge Russell; Graham G. Stewart - 2008 Brewing - Ian S Hornsey – 1999
How to
Brew: Everything You Need To Know To Brew Beer Right The First Time -
John J. Palmer - 2006 Technology Brewing and Malting - Wolfgang Kunze – 1996
Handbook of Brewing: Processes, Technology, Markets - Hans Michael Eßlinger – 2009
Brewing: Science and Practice - D. E. Briggs; P. A. Brookes; R. Steven; C. A. Boulton - 2004
Parabéns Júlio. Virei aluno agora. Li os dois textos. Ótimos. A Química é linda, não é?! Continue.
ResponderExcluirObrigado, Bichara. Fico feliz que tenha gostado! Obrigado também pelo incentivo!
ExcluirSe tiver alguma sugestão de tema, só mandar!
E fique ligado, que semana que vem tem texto novo!
Muito elucidativo! Parabéns!
ResponderExcluirEu gostaria de saber como eu faço para intencionalmente favorecer a produção de diacetil e chegar a um resultado horrivelmente carregado. Com inteso sabor de manteiga de pipoca...
ResponderExcluirOla, muito bom texto. Parabéns! Então pelo que entendi o diacetil deve ser eliminado por uma questão de gosto, dependendo do que o cervejeiro deseja, mas não que faça algum mal a saúde, correto?
ResponderExcluirPrezado Julio,
ResponderExcluirParabéns pelo presente artigo.
Se bem me lembro (estagiei na Skol, aqui do Rio, em 1970), o diacetil, em quantidades maiores e, portanto, indesejável para a cerveja, pode também ser produzido por uma bactéria que pode contaminar a cerveja, o Pediococo.
No controle microbiológico, pesquisávamos a presença desse indesejável coco, partindo da cultura da cerveja em meio agar nutritivo e, a partir do crescimento,fazíamos a microscopia, após coloração por Gram, já que o pediococo é Gram-negativo.
Acredito que agora existam meios seletivos específicos para tal bactéria, o que facilita o trabalho.
Quanto ao odor do diacetil (ou diacetila), relmente é bem desagradável, lembrando manteiga rançosa e até mesmo "chulé".
Um grande abraço,
Nilton Maia (Farmacêutico)
Parabéns, gostei muito da sua aula.
ResponderExcluir